Profissão de Fé Americana

Abro esse texto com uma afirmativa: Não há razão para ser americano. Não existe NENHUM, repito, NENHUM argumento racional que possa convencer um ser humano a torcer pelo América Futebol Clube. Por isso é tão especial torcer pelo Coelho.

No Independência, a vida é maior do que noventa minutos. Na ferradura de concreto, aprendi o que significa resistir e continuar na luta. E hoje, sentado ao lado do meu filho, percebo que o América não é apenas um time — é um elo que atravessa gerações.

Quando eu era menino, o América já sofria. Rebaixamentos, arquibancadas vazias, manchetes que nos ignoravam. Eu me perguntava: — Por que torcer para esse time?

Levei muitos anos pra achar essa resposta. E achei no momento em que torcia por combinações improváveis de resultados que nos garantiam um ano mínimo em coisas como Série C e Modulo 2.
A resposta é simples como um haiku: Amar é isso. É ficar, mesmo quando ninguém mais fica.

E eu fiquei. Chorei derrotas, me apeguei ás promessas de tempos melhores que fiz a mim mesmo, cantei com uns poucos no estádio vazio. Descobri que o Coelho tem algo que os arrogantes “co-irmãos” não conhecem: a fraternidade que mora na permanência do que se ama. Somos luta, paixão e fé.

Meu filho me olha, depois de mais uma derrota, e pergunta a mesma coisa que eu um dia me perguntei. Como explicar a Francisco, pequenininho, massacrado pelos meninos torcedores da duplinha, dos fortes de outros estados e até mesmo dos “oligoclubes” de uma Europa tão distante, porque ele deveria torcer por algo que ele me vê sofrer? Escrevo hoje com nosso clube na vice lanterna da série B de 2025. Por isso, um texto sobre a Americanidade. Escrever sobre isso nesse momento é o antônimo da racionalidade.

Eu respiro fundo. Queria dar a ele vitórias fáceis, títulos empilhados, arquibancadas cheias. Mas como Yeats, sendo pobre em tudo isso, tenho apenas meus sonhos e os coloco sob os pés de nossos dirigentes e jogadores. Alguns dias atrás, ouvi uma triste profecia em reunião na nossa sede, proferida por um destacado ex-presidente. Disse, em tom de vaticínio, que “Quem viu, viu! O América nunca mais voltará a jogar uma Libertadores.”. Essa profecia não entrego a meu filho, que não a merece. A ele entrego o que recebi: a promessa de que o América estará vivo e resistente e de que se a vida do americano é dura, os momentos alegres serão ainda melhores.

A razão de ser e permanecer americano é emoção. É saber que entrego a ele a camaradagem e o acolhimento que encontrei em meus irmãos de sina. É vê-lo brincar com o Vítor, com o Miguel, com o Augusto, com a Ágatha ou com dois ou três meninos quaisquer, anônimos, que estão ali vestidos nas cores do Clube que amamos. Me conforta imaginar que um dia será ele quem me trará. Dividindo com as amigos a pipoca (que ele sempre derrama a metade), sei que eles também partilharão do prazer agridoce de ser americano. O América Futebol Clube será o coadjuvante e pano de fundo eterno de sua vida.

Para um jogador de futebol, jogar é racional. Sua profissão, seu ganha-pão. Ainda assim, jogo um pedido ao inconsciente coletivo de nosso elenco. Que vejam nas arquibancadas seus pais, mães, irmãos, filhos e filhas e pensem no quanto eles gostariam de se orgulhar de vocês. Não nos resta muito além de tentar uma permanência na série B, mas voltar ao inferno da série C não pode ser uma opção.

Por hoje, seguro a mão de meu filho. O jogo acaba, a torcida está lá, mesmo pequena, mesmo ferida. Não há nem força, nem motivação para vaiar. Mas mesmo assim eu sei: um dia ele vai entender que o que herdou não foi apenas um time, mas uma perspectiva de mundo. Verá sentadinho na arquibancada o sonho do pai como vejo os sonhos dos meus, que me deram de herança.

Porque ser América é sobre nunca abandonar.

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